[Sérgio Domingues*] Nos conflitos envolvendo ocupações de terras se tornou frequente a utilização da chamada reintegração de posse. Mais recentemente, suas maiores vítimas são os indígenas. Segundo os juristas, esse instrumento deve ser usado por alguém que queira recuperar direitos sobre sua propriedade.
A rigor, tal instrumento deveria ser aplicada em favor dos indígenas, não contra eles. Afinal, já viviam aqui há uns 12 mil anos, quando os colonizadores europeus chegaram, cinco séculos atrás.
No entanto, a lei que criou e legitima a reintegração de posse foi feita pelos invasores. E é baseada em algo sagrado para a atual ordenação jurídica: a propriedade privada. E esta, sob o capitalismo, só serve para ser negociada no mercado ou para gerar mercadorias. Só tem valor de troca.
Para os indígenas, a terra não é um bem. É um lugar carregado de simbolismo e valores espirituais. Eles não a possuem, mas são parte dela. Daí, não aceitarem trocá-las por outras ou por dinheiro. Por isso, a própria Constituição dos brancos considera os territórios indígenas “inalienáveis e indisponíveis”(Parágrafo 4° do Art. 231).
A relação dos índios com suas posses é incompatível com o capitalismo. Este rebaixa tudo a valor de troca. Aqueles continuam a respeitar as coisas por seu valor de uso. A sociedade de mercado transforma as pessoas em objetos e os objetos em entidades superiores. Os indígenas sacralizam as coisas para que sirvam às pessoas.
Só entenderemos isso quando nos tornarmos civilizados como os silvícolas. Até lá, e como parte da caminhada, todo o apoio à luta indígena por suas terras!
* Sociólogo, escritor e coordenador do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).