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População rejeita a reforma da Previdência

Trava-se uma intensa disputa política no país em torno da reforma da Previdência Social. De um lado, estão o Executivo e sua base parlamentar no Congresso, os agentes do mercado, capitaneados pelos investidores financeiros, e a grande mídia. De outro lado, estão a maioria dos eleitores, principalmente os trabalhadores do setor privado, os servidores públicos, os atuais aposentados e os pobres que recebem benefícios da seguridade social.

Segundo pesquisa recente da CUT-Vox Populi, 85% dos brasileiros são contra a reforma da Previdência. 71% avaliam que não conseguirão se aposentar se as proposta do governo for aprovada pelo Congresso. O maior índice de rejeição à reforma foi encontrado na Região Sudeste, que concentra os maiores colégios eleitorais, composta por Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo: 91% dos entrevistados reprovam as mudanças na aposentadoria. As centrais sindicais estão em estado de greve geral para impedir a aprovação do que consideram ser uma contrarreforma da Previdência.

Ao quadro de impopularidade da reforma, soma-se a crise dos partidos políticos, que atinge as duas principais agremiações da base de sustentação do presidente Temer, também astronomicamente impopular: PMDB e PSDB. Para complicar ainda mais os planos do governo, as eleições de 2018 se aproximam, o que, por um lado, induz o governismo à pressa, por outro lado, pressiona os políticos a evitarem o desgaste perante os eleitores. Comprometido da cabeça aos pés com os interesses dos grandes investidores e preocupado com a vitória do continuísmo nas urnas, o governo aposta em vender gato por lebre, ou seja, em tentar convencer a opinião pública de que a reforma combate privilégios e garante direitos. Uma juíza da 14ª Vara Federal de Brasília suspendeu a propaganda governista da reforma da previdência, por considerá-la um caso de manipulação da opinião pública, mas o governo, por decisão do TRF-1ª Região, derrubou a liminar da suspensão.

Em relação ao mérito da matéria, uma coisa é diagnosticar a necessidade de uma reforma fiscal, incluindo a Previdência, outra é considerar, como faz a perspectiva ideológica do Estado mínimo, que o problema do orçamento público tem caráter estrutural. Do remédio ao veneno há uma grande diferença, a depender da dosagem. A opção política do governo Temer, exponenciando uma tendência internacional de ofensiva dos mercados contra a igualdade democrática de oportunidades, é desmontar as políticas de bem-estar social da Constituição de 1988, sob a alegação de que não cabem no orçamento e no PIB.

Os direitos de cidadania não cabem no PIB, só os interesses do mercado, daí a portaria da flexibilização da escravidão, a contrarreforma trabalhista etc. Mas as centenas de bilhões de reais pagas com juros da dívida pública (em 2016 foram R$ 416 bilhões), mediante taxas de interesse economicamente inexplicáveis, são sagradas. Essa seletividade de classe significa que a austeridade fiscal e a desrregulamentação dos direitos sociais servem aos ricos e desservem aos pobres.

Aprovado por unanimidade, o relatório final da CPI da Previdência, instalada no Senado em abril e encerrada há um mês, destacou, por exemplo, que as empresas privadas devem R$ 450 bilhões ao INSS. Segundo o documento, “é possível afirmar, com convicção, que inexiste déficit da Previdência Social ou da Seguridade Social”. O relatório identifica mecanismos e decisões que fizeram e fazem a produção política do suposto déficit ou, no mínimo, do enunciado alarmista e catastrofista dos problemas orçamentários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS, setor privado) e do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS, setor público). Toda essa ofensiva visa estimular o Regime Complementar, que é facultativo e de caráter privado, sendo uma fatia de mercado pela qual os investidores possuem grande apetite de exploração, para o que necessitam esvaziar os dois regimes obrigatórios.

A votação da versão sintética da reforma, prevista para essa semana, foi adiada. Institui, sobretudo, a aposentadoria por idade, de 65/62 anos, respectivamente para homens e mulheres, e possibilita aposentadoria integral, com base no teto do INSS, apenas após 40 anos de contribuição (hoje são 35). O tempo mínimo de contribuição para o benefício não integral seria de 15 anos para os trabalhadores do setor privado e de 25 anos para os servidores públicos. Como as mudanças precisam emendar a Constituição, o quórum exigido é alto, 308 votos na Câmara e 49 no Senado, com duas votações em cada Casa. Hoje o governo não possui esses votos. O próprio PSDB, cuja crise de identidade avançou do fica ou sai do governo para o concorda ou não com a nova reforma da previdência, decidiu não fechar questão sobre a matéria, apenas recomendar o voto favorável de suas bancadas.

Enfim, importante nisso tudo é refletir sobre o quanto é viável um projeto de país no qual a cidadania não cabe no Estado, que, por sua vez, não caberia no PIB. A solução ultraliberal ao conflito distributivo entre capital, trabalho e Estado é altamente instável, grávida de contradições. Desde quando a população cabe no mercado, a não ser, quando a economia melhora, como objeto? A radicalização programática da ordem social competitiva não enseja qualquer avaliação positiva em relação ao futuro, pelo contrário. A Seguridade Social da Constituição de 1988, que nos governos Lula e Dilma experimentou certos avanços em sua efetividade, contém valores de solidariedade fundamentais, sobretudo para um país estruturado em uma desigualdade monumental. Abandonar a solidariedade em nome da competição selvagem e do salve-se quem puder é uma escolha de alto risco.

FONTE: http://www.jb.com.br/marcus-ianoni/noticias/2017/12/05/populacao-rejeita-a-reforma-da-previdencia/

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