Janeiro Branco é uma campanha que convida as pessoas a refletirem sobre a saúde mental. O objetivo é colocar esse tema em evidência, promovendo a conscientização sobre a importância da prevenção ao adoecimento emocional — algo que gera impactos preocupantes em nossa sociedade.
Criada em 2014 por um grupo de psicólogos, a campanha propõe um mundo no qual as pessoas tenham mais responsabilidade consigo mesmas e com as outras, e enfatiza a necessidade de um trabalho de alcance individual e coletivo. No primeiro caso, isso significa incentivar a autorreflexão sobre a própria vida, seus sentidos e propósitos. Em outras palavras, reforça a importância de uma mudança de comportamento e mentalidade em vários níveis da nossa sociedade. A urgência do debate em torno do tema é real, como mostram os dados de pesquisas realizadas em todo o mundo.
Cerca de 10% da população mundial sofre com transtornos mentais, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Na América Latina, o Brasil lidera entre os países com mais gente que relata ter ansiedade e depressão, com quase 19 milhões de pessoas. Ao todo, 7% dos brasileiros dizem que sua saúde mental é precária ou muito ruim, segundo uma pesquisa do instituto Datafolha. O índice é maior entre mulheres (9%) e jovens entre 16 e 24 anos (13%). Nesse cenário, a procura por remédios psiquiátricos vem aumentando. Entre 2017 e 2021, a venda cresceu 58%, segundo dados do Conselho Federal da Farmácia.
Os jovens brasileiros com idades entre 16 e 24 anos estão entre os mais afetados por problemas de saúde mental, resultando em baixa autoestima, isolamento social e até conflitos familiares. O dado faz parte do Panorama da Saúde Mental, ferramenta de monitoramento criada pelo Instituto Cactus. O estudo foi feito por questionário online e cerca de 44% dos respondentes são da Região Sudeste do Brasil.
Os dados mais recentes apontam que questões relacionadas a uma má saúde mental afetaram diretamente a vida dos adolescentes e jovens adultos entrevistados. A maioria (78%) relatou ter se sentido feio ou pouco atraente ao menos uma vez nas últimas duas semanas anteriores à data da coleta. Destes, a maioria (73%) também relatou se sentir pouco inteligente e quase metade (45%) afirmou não ter saído com amigos no período.
O estudo avalia que as percepções estão associadas a questões importantes de saúde mental, já que aqueles que aqueles que reportaram baixa autoestima também demonstraram baixo interesse e prazer nas atividades do dia a dia (80%), e a sensação de cansaço e a falta de energia (90%). Além disso, uma parcela indicou ter brigado com seus familiares no período indicado (70%).
Os jovens entrevistados também fazem mais uso de psicoterapia do que a média dos outros grupos (7,6% contra 5,1%), e utilizam menos medicamentos de uso contínuo (9,4% contra 16,6%). A pesquisa não avaliou se uma parcela maior precisaria da intervenção medicamentosa.
Na América Latina, segundo as estimativas mais recentes do Unicef (braço da ONU para a infância), quase 16 milhões de jovens entre 10 e 19 anos têm algum transtorno mental. Isto equivale a cerca de 15% das pessoas dessa faixa etária.
Saúde mental no Brasil
A questão que motivou a criação do Janeiro Branco é bem simples (e muito séria): as pessoas estão adoecendo em quantidade e ritmo preocupantes. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em torno de 12 milhões de brasileiros sofrem de depressão. O número é equivalente a 5,8% da população, colocando o país em segundo lugar no ranking americano (atrás apenas dos Estados Unidos).
Estamos falando de uma doença mental que, segundo o estudo, pode alcançar de 20% a 25% das pessoas no Brasil. A ansiedade, por sua vez, afeta quase 20 milhões de brasileiros (cerca de 9,3% da população). Isso inclui o transtorno obsessivo-compulsivo, problemas de fobia, estresse pós-traumático e até mesmo ataques de pânico.
Já o suicídio é apontado pelo Ministério da Saúde como a quarta maior causa de mortes de jovens no país. São números expressivos e que, muitas vezes, ultrapassam outros indicadores relacionados à saúde e ao bem-estar da população.
Um dos problemas que a campanha Janeiro Branco busca combater, no entanto, é justamente a falta de conhecimento sobre o tema, além de outros obstáculos que dificultam a discussão.
saúde emocional é tão importante quanto a física
Historicamente, a saúde mental foi tratada como um tabu na maior parte do mundo. Por mais que os últimos dois séculos tenham trazido grandes avanços nos estudos da Psicologia e da Medicina, o tema demorou para ser abordado como uma questão social. No Brasil, por exemplo, a Reforma Psiquiátrica, que é um grande marco em relação a isso, só ocorreu em 2001 — e ainda enfrenta problemas.
Um deles é o fato de que, culturalmente, muita gente não compreende a subjetividade humana como um possível alvo de transtornos e até mesmo doenças. Por falta de conhecimento ou diversos outros motivos, parte das pessoas não tem o hábito de conversar sobre isso, por medo de se expor ou de demonstrar uma suposta fraqueza.
Hoje, entretanto, é consenso que a saúde emocional é tão importante quanto a “física” — na verdade, ambas estão profundamente atreladas. O nosso organismo pode ser observado por uma perspectiva biológica ou psicológica, mas isso não significa que esses aspectos estão separados.
Como os profissionais da psiquiatria frequentemente apontam, uma parcela da população pode estar sofrendo de doenças emocionais sem nem ao menos saber disso. Andrew Solomon, um grande especialista no assunto, explica em seu livro O demônio do meio-dia: uma anatomia da depressão, que “a maioria das pessoas que são pobres e deprimidas se mantêm pobres e deprimidas”.
O motivo é que elas acreditam que o problema faz parte das dificuldades da vida, quando, na verdade, podem estar doentes. Os efeitos colaterais negativos, por sua vez, vão muito além dos obstáculos que qualquer pessoa saudável enfrenta. “O oposto da depressão não é felicidade”, esclarece o autor, “mas vitalidade”.
Isso deixa muito claro que o Janeiro Branco desempenha um papel fundamental ao colocar o assunto em evidência. Depressão, ansiedade e outros transtornos emocionais devem ser discutidos mais abertamente para que possam ser prevenidos e devidamente tratados.
A saúde mental do trabalhador brasileiro
Problemas de natureza emocional afetam diretamente o desempenho dos trabalhadores. Como mostra um estudo feito pela Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda, transtornos mentais e comportamentais são a terceira maior causa de afastamentos nas empresas. Entre 2012 e 2016, cerca de 9% dos casos de aposentadoria por invalidez ou acesso ao auxílio-doença foram decorrentes desses quadros.
Outro dado importante chama a atenção: cerca de 92% das pessoas que adquirem o auxílio relatam que os problemas não estão relacionados com o trabalho. Em outras palavras, o trabalhador está enfrentando dificuldades para cuidar da saúde mental no seu dia a dia — e isso afeta diretamente o desempenho na empresa.
O mesmo estudo aponta, ainda, que 31% dos auxílios-doença não ligados a acidentes são decorrentes de depressão. Vale lembrar que o impacto real tende a ser bem maior. Trata-se de um assunto que muitas vezes passa despercebido, já que os diagnósticos só alcançam as pessoas que acessam o serviço médico.
Se pensarmos que boa parte dos trabalhadores pode não compreender a natureza dos seus problemas emocionais, a situação se mostra ainda mais preocupante. Por isso é fundamental que as empresas colaborem para a propagação da campanha.
Existem diversos fatores psicossociais que influenciam o desempenho dos trabalhadores. Grosso modo, estamos falando das interações entre o meio ambiente e as condições de trabalho. Idade, estado civil, gênero, escolaridade e estilo de vida são alguns deles — e todos interferem na qualidade de vida do trabalhador. No entanto, muito pode ser feito para desenvolver um ambiente mais saudável para aqueles que vestem a camisa da empresa.
5 Objetivos do Janeiro Branco
1. Tornar o mês de janeiro um marco – Para começar é preciso fomentar o diálogo. Então a campanha se propõe a fazer do primeiro mês do ano um período de reflexão, debate, planejamento e proposição de ações em prol da saúde mental. Isso significa criar um marco temporal, a fim de que as pessoas se lembrem do combate ao adoecimento emocional e levem o assunto para seus grupos de amigos e familiares.
2. Chamar a atenção para o tema – Tendo estabelecido um período de ação, o programa almeja chamar a atenção sobre o assunto. Isso envolve, basicamente, levar informação e promover o debate do tema em diversos aspectos: do que se trata, quais as principais doenças, de que forma elas afetam as pessoas, como lidar com elas, onde buscar apoio etc.
3. Aproveitar a simbologia do Ano-Novo – Se a virada do ano é um momento de reflexão e planejamento, o Janeiro Branco assume como meta inserir nesse debate a questão da saúde mental. Com as pessoas mais dispostas a refletir sobre as próprias vidas, o momento é mais propício para a abordagem do assunto.
4. Espalhar a mensagem pelas instituições – A mídia e as instituições (públicas e privadas) são grandes meios para a comunicação de mensagens desse tipo. Além disso, são diretamente afetadas por essas questões — em especial no ambiente de trabalho. Então, faz parte dos objetivos da campanha conquistar o engajamento de instituições de todos os tamanhos e setores.
5. Fomentar uma cultura da saúde mental – Contribuir para a formação de uma sociedade que valorize a saúde mental é também uma questão central na campanha. Isso fortalece o autocuidado entre as pessoas — e, consequentemente, impulsiona a criação de políticas públicas para ajudar a população.
(Fonte: Ministério da Saúde/OMS)