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LEI QUE PROTEGE JUÍZES FERE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Foi publicada dia 25 de julho a Lei 12.694/2012, que versa sobre diversas questões relacionadas aos processos e procedimentos que envolvam a atuação de organizações criminosas.

Uma das novidades trazidas é o conceito legal de organização criminosa, até hoje emprestado da Convenção de Palermo, aspecto a ser enaltecido na nova lei, visto que não existia na Lei 9.034/1995 — que regula a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas — a definição jurídica de organização criminosa.

De acordo com a nova Lei “considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”.

Este conceito auxiliará muito o Judiciário, pois não se pode esperar que ele substitua o legislativo na conceituação de crimes, como observou o Supremo Tribunal Federal em junho deste ano ao conceder Habeas Corpus para trancar ação penal contra os fundadores da Igreja Renascer em Cristo, justamente por não haver, até então, na legislação brasileira, uma conceituação de organização criminosa e, tampouco, um crime específico de agir em organização criminosa como ocorre no caso de formação de quadrilha ou bando, prescrito pelo artigo 288, do Código Penal. Segundo o Supremo “a definição emprestada de organização criminosa seria acrescentar à norma penal elementos inexistentes, o que seria uma intolerável tentativa de substituir o legislador, que não se expressou nesse sentido”.

Outra inovação trazida pela Lei que entrará em vigor em outubro deste ano deverá gerar grande polêmica no meio jurídico. Criou-se a possibilidade de que o juiz que se sentir em situação de risco, tratando-se de crimes praticados por organizações criminosas, possa criar um órgão colegiado para a prática de diversos atos processuais, tais como decretação de prisão, sua revogação, concessão de liberdade provisória, progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena, concessão de liberdade condicional, transferência de preso de estabelecimento prisional, inclusive para sua inclusão em regime disciplinar diferenciado, além de outras medidas assecuratórias. De acordo com a nova legislação, o colegiado pode ser formado até mesmo para proferir sentenças, algo que ocorria apenas nos tribunais que analisavam recursos.

Assim, o magistrado poderá determinar a criação de um colegiado formado por ele e mais dois juízes de direito que também possuam competência para o julgamento do processo. A escolha dos demais membros do colegiado será feita por meio de sorteio eletrônico.

Ocorre que a criação em si desse órgão colegiado, para atuar exclusivamente em atos isolados do processo, fere o princípio do juiz natural e da identidade física do juiz, o qual vincula o magistrado que acompanhou a produção de provas às decisões decorrentes dos autos, sob pena de submetê-lo a um julgamento injusto.

E mais: o acusado condenado deve ter conhecimento daquele que atua pela sociedade acusando-o e também o conhecimento daquele que lhe impõem a pena, como já observou Marco Aurélio Mello enquanto presidente do Supremo Tribunal Federal.

Essa situação se torna ainda mais grave porque o legislador tornou sigiloso eventual voto divergente, ou seja, caso a decisão entre os juízes não seja unânime, o voto do juiz que discordar dos demais será ocultado.

Isso infringe frontalmente o princípio da publicidade, pelo qual os atos processuais devem ser públicos, ainda que preservados os nomes das partes; e mais: viola flagrantemente o princípio da ampla defesa, pois nega ao acusado e seu advogado o conhecimento de fatos inerentes ao processo.

Outra previsão que traz preocupação é a que possibilita que a reunião do órgão colegiado seja sigilosa, sem, contudo, regular a quem se estende esse sigilo. É imprescindível consignar, desde logo, que tal sigilo não pode se estender ao advogado, que deve ter irrestrito acesso ao processo e seus atos.

Cumpre destacar ainda que essa previsão, inédita no ordenamento jurídico nacional, já integra a legislação de diversos outros países. Na Itália, dispositivo semelhante foi criado para atuar no combate à máfia; e de igual maneira ocorreu na Colômbia após 1985, quando foram executados, por ordem do narcotráfico, dez juízes da Suprema Corte, um ano após ter sido assassinado o ministro da Justiça daquele país, Rodrigo Lara Bonilha; assim também foi no Peru sob a égide do governo autoritário de Alberto Fujimori, o que foi examinado e condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no ano de 1999. (artigo de Guilherme San Juan Araujo e Henrique Zelante, publicado no site do Consultor Jurídico)

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