Para juiz, cobrança sistemática de propina indica ‘ganância desmedida’
SÃO PAULO – Ao condenar o ex-governador do Rio Sergio Cabral a 14 anos e dois meses de prisão nesta terça-feira, o juiz Sergio Moro ressaltou na sentença que o caso de corrupção de Cabral faz parte de um contexto bem mais amplo, com cobrança sistemática de propina em obras públicas, que resultou na falência do Estado e sofrimento da população e de servidores públicos. O Rio completou 25 dias de dívida com mais de 207 mil servidores ativos, aposentados e pensionistas, que estão sem receber seus salários desde abril passado.
“Não se pode ainda ignorar a situação quase falimentar do Governo do Estado do Rio de Janeiro, com sofrimento da população e dos servidores públicos, e que ela, embora resultante de uma série de fatores, tem também sua origem na cobrança sistemática de propinas pelo ex-Governador e seus associados, com impactos na eficiência da Administração Pública e nos custos dos orçamentos públicos”, escreveu na sentença.
E continuou: “(..) Não pode haver ofensa mais grave do que a daquele que trai o mandato e a sagrada confiança que o povo nele deposita para obter ganho próprio. Ademais, as aludidas circunstâncias da cobrança da vantagem indevida, que se inserem em um contexto maior de cobrança de propina sobre toda obra realizada no Rio de Janeiro, indicam ganância desmedida, o que também merece reprovação especial. Agiu, portanto, com culpabilidade extremada”.
Moro manteve a prisão cautelar de Cabral e de seus dois assessores, Carlos Miranda e Wilson Carlos Carvalho. Para o juiz, a medida é necessária para prevenir o recebimento do saldo da propina em acertos de corrupção, impedir ou dificultar novas formas de ocultação e dissimulação dos valores recebidos em propina, que não foram recuperados.
Moro determinou ainda o confisco do patrimônio dos condenados de valores equivalentes a R$ 6,6 milhões, o que corresponde ao valor recebido de propina (R$ 2,7 milhões) corrigido monetariamente pelo IGP-M (FGV) desde outubro de 2008 e acrescido de 0,5% de juros ao mês. O juiz lembrou que o dinheiro foi usado na compra de bens de difícil localização e sequestro judicial, o que impede de determinar agora o que deve ser confiscado em bens.
Cabral havia argumentado que usou para gastos pessoais sobras de caixa 2 de campanha, mas Moro rejeitou a tese. Na sentença, disse que não foi reconhecido pelos acusados que a empreiteira Andrade Gutierrez passou recursos de caixa 2 e que, além disso, os pagamentos foram feitos em 2008, longe das eleições estaduais, que ocorreram em 2006 e 2010.
“Não existe doação eleitoral como comissão por obra pública”, afirmou Moro, acrescentando que a propina foi estabelecida como um percentual do contrato da empreiteira.
Moro ressaltou ainda que os cargos na Petrobras era negociados em troca de propina destinada aos políticos.
“Certamente, não se encontra entre as atribuições normais do governador de qualquer Estado empenhar apoio político à indicação ou permanência de alguém no cargo de direção de estatal federal. Entretanto, se na prática isso ocorre, deve ele responder pelo desvio funcional e por corrupção se assim age não para contribuir para o bom governo, mas sim para nomear e sustentar alguém de sua confiança com o intuito de arrecadar ilicitamente recursos para si e para outrem. Há um evidente desvio de função, com a prática de ato pelo governador com o intuito de garantir fonte de recursos ilegal junto à Petrobras”, escreveu.
FONTE: https://oglobo.globo.com/brasil/moro-credita-falencia-do-rio-cabral-diz-que-ex-governador-traiu-eleitor-21472491