Lei que protege funcionários de cadastro de devedores não se aplica a todos os casos
RIO – Aos 71 anos, Regina Celi Coutinho Hauer Vieira nunca pensou que dependeria de cestas básicas e da ajuda de amigas para pagar as contas de água, luz, gás e telefone. Hoje, a servidora aposentada do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) precisa conviver não só com a restrição de orçamento, mas também com a cobrança das dívidas que contraiu quando a crise fiscal entrou na vida de milhares de funcionários públicos do estado. Casos como o de Regina têm se multiplicado, segundo associações de servidores.
A lista de débitos da aposentada inclui 13 empréstimos consignados, descontados diretamente em seu contracheque. Somadas, as dívidas chegam a R$ 4.756 por mês. Ela tentou renegociar com a Caixa Econômica Federal um empréstimo pessoal, do qual restam R$ 26 mil a pagar, mas não obteve sucesso.
— Consegui negociar e quitar um débito que tinha com o Itaú. Já renegociei um outro com o Bradesco, mas com a Caixa parece impossível — queixa-se Regina, que divide um apartamento com o filho, economista e também funcionário público, e a nora.
A Caixa afirma ter política de renegociação de débitos para todos os clientes e garante levar em consideração a situação dos servidores do Estado do Rio. Regina se queixa, no entanto, que vem sendo cobrada pelo banco inclusive pela falta de repasse do governo dos pagamentos dos quatro consignados que tem junto à instituição.
A aposentada não é a única nessas condições. Segundo Mesac Eflain, presidente da Associação de Bombeiros Militares do Rio de Janeiro e um dos coordenadores do Movimento Unificado dos Servidores Públicos (Musp), os sindicatos de funcionários públicos têm sido procurados frequentemente por associados com dificuldades para negociar dívidas, principalmente de empréstimos consignados.
— O estado, antes de entrar em crise, favorecia a contratação de empréstimos consignados a ponto de muitos servidores comprometerem demais a renda — afirma Eflain.
Segundo ele, falta sensibilidade aos bancos para ajustarem condições de negociação à realidade dos servidores:
— Como o servidor vai entrar numa negociação da dívida se ele não sabe quanto vai receber e se o pagamento será parcelado em várias vezes? O futuro da categoria está incerto.
A negativação de servidores inadimplentes é outro problema. Desde 27 de setembro, a Lei estadual 7.432/2016 proíbe a inclusão de funcionários públicos com salário atrasado em cadastro de devedores. A legislação, no entanto, só protege contratos firmados daquela data em diante. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro recomenda que servidores inadimplentes com consignados não sejam negativados. O órgão firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Itaú, no qual o banco se compromete a não negativar servidores com consignado atrasado por falta de repasse do governo. Procurado, o banco confirmou que segue essa política, assim como o Bradesco e o Banco do Brasil. Nenhuma das instituições detalhou as políticas de renegociação. A Caixa afirmou que, nos casos em que o empréstimo é descontado diretamente da fonte, cobra a dívida do estado.
A negativação dos clientes é responsabilidade das instituições financeiras, que repassam os dados para os órgãos de proteção ao crédito. Procurada, a Serasa disse que orienta os bancos sobre a legislação do ano passado. O SPC informou que não tem políticas específicas para esses casos.
O defensor público Eduardo Chow, do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecom), informa que a negativação pode ser contestada na Justiça. Para isso, basta agendar o atendimento pelo número 129. O órgão público já tem modelo pelo qual o servidor pode pedir a suspensão da cobrança e retirada do nome de órgãos de proteção ao crédito.
LEI PARA PAGAR CONTA ATRASADA
Chow destaca, no entanto, que a maior preocupação hoje é em relação a servidores que estão com contas de luz, água e telefone atrasadas. Para evitar que tenham os serviços suspensos, a defensoria elaborou uma nota técnica e um anteprojeto de lei que propõe que os servidores com salário atrasado paguem suas contas só quando receberem os salários.
O projeto foi enviado a deputados estaduais no dia 31 de dezembro e já há uma negociação para que seja avaliado logo após o fim do recesso da Assembleia Legislativa, em 1º de fevereiro.
FONTE: http://oglobo.globo.com/rio/servidores-estaduais-sofrem-com-dividas-de-consignados-20747304